24 mar de 2018
Brasil – Agricultura – Preços estimulam aposta na safrinha de milho

Regiões sem tradição de cultivo do cereal no inverno devem investir na cultura mirando a perspectiva de maior remuneração

A escalada nos preços do milho no Brasil observada no último mês estimulou produtores de regiões que tradicionalmente não plantam grandes áreas de safrinha, como o leste de Goiás, o Triângulo Mineiro e o noroeste de Minas Gerais, a arriscar o cultivo do cereal na segunda safra. O produtor João Bosco Soriani destinou 660 hectares ao milho safrinha na região de Santo Antônio do Rio Verde, distrito do município de Catalão, em Goiás, ante o plano inicial de semear apenas entre 100 e 150 hectares. Ele já havia semeado o grão de verão em 170 hectares, junto com 3.330 hectares de soja.

 

“Estou em uma região de altitude de 800 a 850 metros. A chuva acaba mais cedo e há uns veranicos (períodos prolongados de tempo quente e seco) maiores, então tradicionalmente a minha finalidade é a safra de verão, seja de soja ou milho”, informa. Contudo, a recuperação das cotações do cereal o estimulou a investir mais no milho de inverno. “No ano passado, eu não plantei nada de milho safrinha. Mas muita gente plantou e tivemos milho a R$ 18/saca (preço pouco remunerador, abaixo do mínimo para a região).” Neste ano, porém, como a colheita de soja foi iniciada no carnaval, em 10 de fevereiro, ele viu que conseguiria ainda plantar o milho safrinha dentro de uma janela sem tantos riscos climáticos.

 

Os planos iniciais eram para 100 a 150 hectares para a lavoura de inverno. “Comprei uma semente com tecnologia um pouquinho melhor e plantei, mesmo com muita chuva, que deu muito problema para semear”, relata. Entretanto, com a disparada de preços motivada pela retração de vendedores diante da quebra na Argentina e do atraso no plantio no Brasil, Soriani reviu seus planos e investiu numa área ainda maior, chegando aos 660 hectares atuais. “O milho que estávamos vendendo a R$ 26 foi a R$ 30-R$ 32 por saca na região”, afirma.

 

Para ampliar a área, contudo, o produtor optou por uma semente de menor tecnologia e conseguiu descontos porque ainda havia estoque na região. Conforme produtores do entorno de Catalão, a opção foi, de fato, investir menos nas sementes de milho por causa do maior risco climático, apesar da expectativa de que as chuvas se prolonguem até maio na região. Soriani pretendia cultivar o milheto no inverno e já havia até comprado as sementes, que agora estão guardadas. A oportunidade de venda do milho a um valor maior pesou na decisão. “Além disso, a palhada do milho é melhor do que a do milheto”, explica o agricultor.

 

Risco climático – Segundo o vice-presidente da Aprosoja-GO, José Fava Neto, que também é produtor em Catalão, como no leste de Goiás a regularização das chuvas no início da temporada de plantio de soja costuma atrasar, dificilmente a região consegue dedicar áreas muito extensas à safrinha de milho. “É normal a gente sempre plantar um pouco de milho verão, embora nesta safra tenha havido um recuo de 20% na área destinada ao cereal”, diz Fava Neto. “Mas aqui sempre tem milho de primeira safra como forma de rotação. Não dá pra fazer igual ao sudoeste do Estado, que planta 100% da área de safrinha, aqui é 30% a 40% da área (por causa do risco climático).”

 

Além dos consumidores de Goiás, o milho da região atende também o Espírito Santo e Minas Gerais. Em Unaí (MG), a aposta em milho safrinha de parte dos produtores da região está ligada ao fato de que os preços do grão estão mais atrativos do que os do feijão, comenta o vice-presidente para o noroeste do Estado da Associação dos Produtores de Soja e Milho de Minas Gerais (Aprosoja-MG), Felipe Werlang da Silveira. A subida repentina dos preços do cereal foi um estímulo ao plantio da safrinha em áreas irrigadas, tradicionalmente utilizadas para o feijão.

O milho tem ainda uma vantagem: aproveita as últimas chuvas de verão e do outono. Já o feijão, semeado mais tarde, exige mais o uso dos pivôs de irrigação. “Na nossa região pode ter migração da área de feijão irrigado para o milho irrigado, por causa do preço baixo do feijão e do baixo nível dos reservatórios de água. Se eu planto milho ainda no início de março, aproveito a chuva e irrigo menos, e o preço (atrativo do milho atualmente) também viabiliza mais o negócio”, justifica Silveira.

 

O único senão é a cigarrinha, praga que ataca o milho e é “de difícil controle e alto custo”, diz Silveira. O inseto também é citado em Goiás como um entrave à produção. No Triângulo Mineiro, o produtor Júlio César Pereira Júnior plantou 2.530 hectares de milho safrinha, um aumento de 530 hectares ante o ciclo anterior, dentro de uma janela considerada favorável, até o começo de março. Ele acredita no potencial da região para a safrinha, sobretudo por causa da crescente adoção de tecnologias ligadas a insumos e técnicas agronômicas inovadoras. “Se a gente souber fazer o negócio, vamos produzir mais do que os ‘pares’ da safrinha: Mato Grosso e Paraná”, projeta Pereira Júnior.

 

O produtor considera a altitude da sua propriedade, com temperaturas noturnas mais amenas, uma vantagem para a produção do milho de inverno, ainda que o Triângulo Mineiro receba menos chuvas do que os maiores Estados produtores de safrinha. “Se eu tenho temperatura noturna mais baixa, tenho um milho com maior capacidade de produzir mesmo sem tanta água, porque na safrinha a gente não está querendo 200 sacas por hectare, e sim 100 sacas por hectare. Se eu formo lavoura como está formada, e a temperatura é boa, como vem sendo, esse grão pode chegar a 120 sacas por hectare.” Para ele, o milho representa um componente importante para garantir um resultado equilibrado do ano-safra ao lado da soja.

 

“Hoje eu tenho receita na safra e safrinha, no primeiro semestre e no segundo.” Em Brasília, na área agrícola do Distrito Federal conhecida como PAD-DF, além dos insumos já adquiridos, o fator preço também estimula o plantio da safrinha, mesmo com a percepção de maior risco à produtividade após um atraso no plantio da soja. “O milho está sinalizando uma melhora de preço, e isso também atiça o produtor. Ele estava imaginando 100 sacas por hectare com preço de R$ 20, agora começa a enxergar 60 sacas por hectare com preço de R$ 35. Vai fazer a conta. A gente sabe que não é a condição ideal, mas é o cenário que está se apresentando no momento”, disse o presidente da Cooperativa Agropecuária da Região do Distrito Federal (Coopa-DF), Leomar Conci.

Fonte: ESTADÃO CONTEÚDO
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