Um mar de palmeiras no Pampa gaúcho
Os milhares de butiazeiros da Fazenda São Miguel (registrados em imagens de satélite), uma propriedade secular de 2,9 mil hectares localizada no município gaúcho de Tapes, são para a família Heller Barros “uma reserva de Deus”, conforme relata a matriarca, Nair Heller de Barros, de 97 anos. A história da propriedade e das gerações que lá nasceram e trabalharam são indissociáveis das palmeiras Butia odorata. Foi graças aos butiazeiros, no início da década de 1930, que a família garantiu a renda, quando a fazenda foi devastada por uma imensa nuvem de gafanhotos da espécie Schistocerca cancellata, que arrasou as lavouras e plantas daquela região. O butiazal seguiu firme.
Essa história é contada pela socióloga Carmen Heller Barros que, com os irmãos, cuida do butiazal como um local sagrado, que abriga um ecossistema valioso por sua flora e fauna. Vivem nesses campos povoados de Butia odorataanimais como graxains, veados, gambás e emas (entre outros típicos do Pampa), sendo que alguns deles são dispersores das sementes do butiá.
A salvo dos gafanhotos
A crina vegetal dessas palmeiras – feita a partir das folhas – foi usada por muito tempo como matéria-prima na fabricação de colchões e móveis. A própria fazenda São Miguel tinha fábricas de crina e a comercializava para o resto do Brasil. Foi esse produto que garantiu a renda familiar durante o ataque dos gafanhotos.
Foi por causa da longa relação desses gaúchos com as palmeiras que nasceu o projeto de Sosinski. Carmen Barros relata que ela e os irmãos estavam preocupados com a conservação do butiazal e não sabiam o que fazer com o gado pisoteando os novos butiazeiros que nasciam no campo nativo. Eles precisavam de uma solução técnica, pois não poderiam dispensar a área porque também usavam para pastejo, sendo outra parte da propriedade destinada à cultura do arroz.
“Um dia meu irmão foi até a Embrapa Clima Temperado, em Pelotas, e fez contato com a pesquisadora Rosa Lia”, conta a produtora. Dez anos depois, a família soma, segundo ela, muitas surpresas boas, resultados dos projetos de pesquisa lá desenvolvidos.
Nova espécie homenageia os Heller
Segundo Carmen Barros, em uma área amostral de apenas três hectares foi evidenciada a ocorrência de 261 espécies de plantas herbáceas e subarbustivas, correspondendo a 170 gêneros pertencentes a 54 famílias. A bióloga Marene Marchi fez sua tese de doutorado sobre o ecossistema do butiazal enquanto era bolsista na Embrapa Clima Temperado. Ela descobriu, além dos dados já informados, uma espécie gramínea de butiá ainda inédita, da família Poaceae. “Ela recebeu o nome de Aristida helleriana em homenagem à minha mãe”, orgulha-se a produtora.
Apaixonada pelas orquídeas dos butiazais, Carmen Barros é cocriadora de uma linha de florais elaborados a partir da flora desse ecossistema. Ela acredita que a preservação dos butiazais está assegurada graças à pesquisa agropecuária. “Por causa desses projetos da Embrapa, regeneramos o butiazal. Muitas pessoas estão produzindo artesanato com a folha, a fibra e o coquinho do butiazeiro, trabalho que começou com a pesquisadora Rosa Lia”, conta. “O butiá é rico em fibras, em potássio e tudo nessa fruta é aproveitado. Eu só aplaudo e digo amém”, conclui.
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