22 out de 2018
Brasil – Agropecuária – Morte súbita no confinamento? Pode ser enterotoxemia

Essa doença, associada a dietas ricas em grãos mal balanceadas, pode causar grandes prejuízos

Por Luiz H. Pitombo

Devido à expansão dos confinamentos no Brasil, uma doença até pouco tempo restrita a ovinos e rebanhos leiteiros pode (ainda é necessário usar o verbo na condicional) estar atingindo também animais de corte. Essa doença é a enterotoxemia, integrante da temida família das clostridioses, que compreende o botulismo, o tétano e o carbúnculo sintomático, dentre outras enfermidades. Casos de morte súbita relatados em confinamentos do País têm sido associados à “moléstia da superalimentação”, nome pelo qual a enterotoxemia é conhecida, mas ainda não há diagnóstico conclusivo. Causada pela toxina epsilon, produzida pela bactéria Clostridium perfringes tipo D, a doença pode acometer bovinos que recebem rações muito ricas em amido, sem adaptação adequada, ou que ingerem formulações desbalanceadas. Nestes casos, uma parte dos carboidratos fornecidos no cocho vai parar direto no intestino. Lá, eles se tornam substrato para o desenvolvimento desproporcional da bactéria Clostridium perfringens, que funciona como uma “bomba-relógio” com hora marcada para explodir.

O problema pode acometer de 10% a 20% dos animais confinados, percentual que não seria considerado tão preocupante, não fosse a letalidade da doença. Em casos agudos, pode ocorrer a chamada “morte súbita”. Não há tratamento que resolva o problema. A única saída é a prevenção, por meio de vacinas. A bactéria Clostridium perfringens tipo D se encontra distribuída por todo o País. Pode ou não estar presente no intestino dos bovinos na forma de esporos, mas, em geral, sua convivência com esses animais é pacífica, a menos que se coloquem condições propícias à sua proliferação. As toxinas produzidas pela bactéria aumentam a permeabilidade do epitélio intestinal, criando portas de entrada para a corrente sanguínea, por meio da qual atingem os rins, os pulmões, o encéfalo ou o coração dos animais, provocando morte.

Contágio e sintomas

A enterotoxemia também atinge animais bem jovens, mas é no confinamento que se concentram fatores de maior risco para seu desenvolvimento. Além das dietas ricas em carboidratos, a mistura de animais de diferentes procedências e sua aglomeração em piquetes de engorda também favorecem o contágio, que, segundo o professor Francisco Carlos Lobato, da Escola de Veterinária da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), se dá por via oral (ingestão de água ou alimentos contaminados) ou pelo contato com fezes de animais já infectados. Dedicando-se à pesquisa de vacinas contra as clostridioses e seu diagnóstico laboratorial, Lobato diz não ter registrado aumento nos pedidos de exame para enterotoxemia na UFMG, única instituição além do Instituto Biológico (IB) a realizar esse tipo de análise no País. Isso não significa, contudo, que a doença esteja sob controle. “Muitos casos de morte súbita nos confinamentos têm sintomas que sugerem se tratar de clostridiose, mas o agente causador não é identificado por falta de exame. A frequência da enterotoxemia no País pode estar mascarada”, pondera.

Dependendo da quantidade de toxina produzida pelo Clostridium perfringens tipo D, a doença pode se manifestar de três formas: superaguda, aguda e subaguda. Na superaguda, a bactéria produz toxina em tamanha quantidade que sequer se observam sintomas; o animal já é encontrado morto. Na forma aguda (mais comum), a doença ataca o sistema nervoso central e o animal apresenta incoordenação motora, prostração e sintomas clássicos de enfermidades neurológicas (vocalização, convulsões, perda de consciência), morrendo dentro de algumas horas. Já os sintomas da forma subaguda são inapetência, cólicas, cegueira e diarreia. Nestes casos, a morte se dá dentro de quatro ou cinco dias. Como ocorre com outras clostridioses, as carcaças se deterioram mais rápido e ficam inchadas, devido à produção de gases. “Por isso, muita gente pensa, equivocadamente, que se trata de picada de cobra”, diz Lobato.

Vacinação correta evita problema

Como os sintomas da enterotoxemia são comuns a outras enfermidades, é fundamental diagnosticar corretamente a causa da morte dos animais por meio de análise laboratorial (amostra de conteúdo intestinal, colhido por meio de necropsia poucas horas após o óbito). Identificada a toxina, a única medida de controle possível é a higienização do ambiente e a vacinação contra clostridioses, pois é impossível eliminar a bactéria do ambiente. José Zambrano, técnico da Rehagro Consultoria, de Belo Horizonte, MG, lamenta a falta de diagnóstico laboratorial que possibilite dimensionar o problema no Brasil: “Não tenho dúvidas de que a enfermidade exige atenção”.

A enterotoxemia não é considerada uma zoonose, mas as carcaças dos animais mortos devem ser queimadas ou enterradas em covas com 1,5 m de profundidade, cobertas com cal antes de receberem terra, para evitar a proliferação da bactéria, a contaminação do meio ambiente e a ingestão de ossos pelos animais, causando botulismo. Zambrano recomenda que as fazendas escolham uma área como cemitério, onde também se possa realizar autópsias e coleta de material para diagnóstico. As medidas profiláticas dependem das condições da propriedade, mas vacinar é fundamental, respeitando-se as indicações da bula quanto à refrigeração da vacina, uso de agulhas em bom estado e a essencial dose de reforço, para a correta imunização do animal. “Muitos produtores deixam de fazer esse reforço”, lamenta Lobato.

Em animais jovens, a vacina contra essa e outras clostridioses pode ser administrada entre 4 a 8 meses de idade, com uma dose de reforço 30 dias depois ou de acordo com a recomendação do fabricante. Para animais destinados ao confinamento, sem informações sobre manejo sanitário anterior, recomenda-se a vacinação antes de sua entrada nas instalações. Outro aspecto vital é a propriedade contar com a orientação de um nutricionista para balancear a dieta, evitando uma carga muito elevada de carboidratos, que também pode causar acidose. Outra medida essencial, reforça Zambrano, é adaptar os animais à dieta de confinamento por cerca de 21 dias, para que a microbiota ruminal consiga processar adequadamente o novo alimento.

*Matéria originalmente publicada na edição 454 da Revista DBO.

 

Fonte> Portal DBO

 

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