26 abr de 2020
Brasil – Agricultura – Boi estressado esconde doença e dificulta diagnóstico

Pesquisas já estão apontando que os impactos do bem-estar animal, ou da falta dele, no manejo do rebanho bovino vão além de suprimir o sistema imunológico dos animais, facilitando a contaminação com doenças e afetando até a qualidade da carne produzida. Nesta segunda, 20, em entrevista ao Giro do Boi, o engenheiro agrônomo Antony Luenenberg, coordenador técnico de bem-estar da MSD Saúde Animal, falou sobre um outro ponto importante das boas práticas dentro da fazenda.

Pelo seu instinto de presa, o boi pode ser um ótimo “ator” e esconder suas emoções e suas dores caso não esteja confiante dentro do ambiente em que se encontra. Por isso, muitas vezes os peões não conseguem identificar alguma doença que esteja acometendo este boi, que finge estar bem para não demonstrar fraqueza para um potencial predador.

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“Isso é fato. Uma coisa que a gente nunca pode esquecer é que o estresse mata o sistema imune. Animais estressados têm uma menor resposta imunológica. Para a gente dar um exemplo, um animal que passou por cinco a seis horas de viagem, desceu do caminhão na fazenda e a gente vai lá e faz uma vacina, seja de clostridiose, um exemplo. A resposta imune desse animal é muito baixa, ele está estressado, ele está desidratado, ele está com fome. Então o estresse mata o sistema imune. O que gente tem que pensar é em melhorar este processo. Outro ponto é que se o animal estiver muito estressado, se ele não confiar em quem está manejando, ele esconde sinais de doença, então vai dificultar para o vaqueiro identificar este animal. A grande maioria das vezes, ele identifica somente na hora que esse animal já está prostrado. A gente fala que se encostou o queixo no chão, esse animal já está muito debilitado. Mas à medida que você começa a mudar esse processo, a gente começa a identificar doença precocemente e tem um melhor desempenho dos animais”, declarou Luenenberg.

O agrônomo citou que em levantamentos realizados em fazendas parceiras foi detectado que o volume de animais tratados é maior quanto o lote passa por uma aclimatação ao novo ambiente, como um confinamento. Ainda assim, a mortalidade diminuiu. O agrônomo explicou o que aconteceu.

“O que a gente já tem de dados hoje, comparando animais aclimatados e não aclimatados, é que a mortalidade se reduz muito nos lotes aclimatados comparando aos lotes não aclimatados. E outro ponto é a morbidade. O número de animais tratados aumentou. Aí muitas vezes vai ficar aquela pergunta: ‘ah, mas ficaram doentes mais animais?’ Na verdade, não. O que acontece? Os animais, por confiarem no ambiente e nos manejadores, o pessoal da ronda conseguiu identificar a doença precocemente. Por isso a diminuição da mortalidade e aumento da taxa de morbidade. Mas eu consigo tratar esse animal antes de ele ficar debilitado porque esse tratamento, muitas vezes, demorava para ser aplicado”, detalhou.

A capacitação para as fazendas implementarem práticas modernas de bem-estar é feita pelo programa global da MSD Saúde Animal chamado Criando Conexões. A iniciativa foi desenvolvida nos Estados Unidos e passou por validação de metodologia para outros cinco países, entre eles o Brasil. “Em 2015 houve o lançamento oficial do programa no Brasil. Hoje ele está presente em cinco países, um deles o Brasil, e hoje nossa unidade é referência para a MSD no mundo inteiro dentro do programa de bem-estar animal”, comentou Luenenberg. Desde 2015 o programa acumula números expressivos, tendo treinado cerca de 4.500 vaqueiros responsáveis pelo manejo de um rebanho de aproximadamente quatro milhões de cabeças.

“Coisa que a gente nunca pode esquecer, e hoje pra mim é muito claro isso por ter vindo de família de pecuaristas, é nós não tivemos escola para trabalhar com gado. O que a gente faz dentro do programa é mostrar para o vaqueiro que a partir do momento que ele entender o comportamento animal, que ele entender como funciona a visão, como funciona hierarquia, a questão do comportamento em si, de estar em grupo, de o animal estar sozinho, a partir do momento que você começa a mostrar, ele começa a entender a importância da relação entre o ser humano e o animal e de que forma isto vai melhorar o manejo, vai melhorar a segurança dele, vai melhorar desempenho dos animais”, destacou o especialista.

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Luenenberg disse que no ato da aplicação do treinamento, há um choque inicial e um certo desconforto dos vaqueiros, mas que começa uma expressiva mudança de cultura que ser perpetua pelo tempo. “A gente tem que valorizar estas pessoas. Elas não tiveram escolaridade, a grande maioria tem muito baixa escolaridade, e a partir do momento que você dá uma ferramenta pra elas, dá conhecimento e dá um certificado para elas, você muda a vida destas pessoas”, disse.

DOMINANTES, SENTINELAS E SUBMISSOS

Luenenberg explicou quais são os três tipos de animais dentro de um lote de bovinos que precisam ser identificados pelos vaqueiros – um dos módulos de treinamento do programa Criando Conexões: os dominantes, os sentinelas e os submissos.

O especialista explicou que os dominantes são os líderes de um grupo, que geralmente são os que estão à frente dos demais indivíduos, mais curiosos e confiantes. Quando o peão precisa fazer um manejo ou uma transferência de pasto, estes são os primeiros animais a serem conduzidos para chamar os demais.

Já os sentinelas, segundo Luenenberg, são os primeiros com quem os peões precisam “fazer amizade”. Isto porque estes animais são os responsáveis por “soar o alarme” de perigo para o restante do lote, saindo em disparada, assustando e afugentando os outros indivíduos. Tudo isto demonstra a inteligência dos bovinos e, ao mesmo tempo que pode criar uma barreira no relacionamento caso o manejo tenha um histórico inadequado, também pode reforçar os laços entre peão e boi. Com o passar do tempo, os animais passam a ficar mais calmos caso a cultura do bem-estar e das boas práticas realmente seja incorporada à rotina da fazenda.

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Antes de encerrar sua entrevista, Luenenberg destacou três itens que precisam ser eliminados do manejo de uma fazenda: gritos, uso de objetos pontiagudos, como ferrão, que devem ser substituídos pela bandeira, e instalações sem manutenção com acúmulo de barro e água no curral, por exemplo.

Veja a entrevista completa com Antony Luenenberg no vídeo abaixo:

77 9 9926-6484 / 77 9 9979-1856