30 maio de 2017
Brasil – Agricultura – Formação de grãos ardidos de soja: um problema que começa na lavoura e termina na indústria

Autores: Ricardo Tadeu Paraginski 1, Valmor Ziegler 2, Luana Haeberlin 3

A colheita de soja na safra 2016/2017 superou as expectativas e resultou em uma safra recorde de grãos, causando um déficit de armazenamento de 70 milhões de hectares. Aliado a este déficit de armazenamento, as condições ambientais em algumas regiões são desfavoráveis, principalmente devido a temperaturas elevadas, o que pode comprometer a qualidade dos grãos. Neste cenário, os grãos de soja desempenham papel importante, pois utilizam boa parte da capacidade estática de armazenamento e são muito suscetíveis a condições inadequadas de armazenamento e também antes da colheita, o que pode resultar em graves alterações na qualidade da matéria-prima (Figura 1), que reduzem o valor de mercado desses grãos.

Figura 1. Grãos de soja com baixa qualidade, resultado de condições inadequadas.
Figura 1. Grãos de soja com baixa qualidade, resultado de condições inadequadas.

A qualidade de grãos de soja para comercialização é realizada mediante testes de umidade, matérias estranhas e impurezas e tipificação dos grãos, além de testes que usam tecnologias detentoras de patentes, todos estes estipulados na IN MAPA Nº 11 de 2007, que determina os padrões de classificação. Os padrões de qualidade para tipificação dos padrões de soja dentro do padrão básico para matéria-prima destinada a processos de moagem são apresentados na Tabela 1.

Tabela 1. Limites máximos de tolerância (%) para comercialização de grãos de soja.

(1) A soma de queimados, ardidos, mofados, fermentados, germinados, danificados, imaturos e chochos.
(1) A soma de queimados, ardidos, mofados, fermentados, germinados, danificados, imaturos e chochos.

De acordo com o regulamente técnico de classificação de grãos de soja, no processo de classificação são identificados defeitos graves e leves, sendo eles em função de suas características classificados como queimados, ardidos, mofados, fermentados, germinados, danificados, imaturos, chochos, esverdeados, amassados e quebrados (Figura 2). De acordo com a legislação, ardidos são os grãos ou pedaços de grãos que se apresentam visivelmente fermentados em sua totalidade e com coloração marrom escura acentuada, afetando o cotilédone, de acordo com nova redação da IN MAPA 37/2007, sendo classificado como defeito grave, juntamente com mofados e queimados.

Figura 2. Defeitos em grãos de soja considerados para a tipificação final do produto.
Figura 2. Defeitos em grãos de soja considerados para a tipificação final do produto.

A formação de grãos ardidos está relacionada a vários fatores, como a ocorrência de elevada quantidade de chuva na época de colheita, bem como condições inadequadas de armazenamento. A formação destes grãos reduz o valor comercial da matéria-prima, sendo um problema para os produtores, entretanto, recente estudo revelado pelo Núcleo de Tecnologia em Armazenagem da Universidade Federal de Mato Grosso confirmou que este grão mantém o mesmo teor de proteína que um grão normal, podendo o produtor receber por esses grãos, o que atualmente não é realizado, porém a indústria os utiliza mesmo assim, sendo que se busca uma remuneração (menor valor que o grão de alta qualidade) como é feito na Argentina ou nos Estados Unidos da América.

 

Cabe ressaltar que, embora o teor de proteína se mantém em grãos ardidos, a qualidade tecnológica da mesma é alterada. As principais alterações na proteína decorrem de redução da solubilidade em água, o que afeta diretamente a qualidade e o rendimento de produtos derivados como o Soymilk, Tofú e Tempeh, os quais são produtos típicos elaborados em países asiáticos. É importante destacar que esses países são os principais destinos da soja brasileira que é exportada e, por isso, acabam exigindo um mínimo de qualidade quando ao percentual de solubilidade proteica. Outro fator importante é a redução a digestibilidade das proteínas. Essa redução representa menor absorção desses nutrientes pelos animais, por exemplo, quando esses consumirem o farelo de soja incorporado à ração. A amplitude dessa redução é difícil de ser estimada, pois depende da avaliação de cada caso e do grau de deterioração dos grãos de soja. Além das alterações que ocorrem na fração proteica dos grãos, a fração lipídica também é afetada, comprometendo a qualidade do óleo, principalmente pelos processos de degradação dos ácidos graxos de armazenamento, através de reações hidrolíticas e oxidativas. Essas alterações, acabam encarecendo os processos de extração e refino do óleo de soja, afetando também a qualidade do produto final.

 

Porém, ainda restam algumas dúvidas sobre a formação desses grãos, pois os mesmos não ocorrem somente antes de colheita, como pode ser observado em estudo realizado no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Farroupilha (Figura 3), em que foram identificados nos grãos armazenados com umidade de 12% os valores permaneceram próximos as zero, entretanto nos grãos armazenados com umidade de 15%, aos 45 dias na temperatura de 35ºC o teor de grãos ardidos foi próximo a 2,0%, e na umidade de 18% no mesmo período os valores foram próximos a 0,5, 1,0 e 2,0% nas temperaturas de 15, 25 e 35ºC, respectivamente, sendo que nos grãos com umidade de 18%, após aos 135 e 180 dias os valores zero, pois houve a formação de grãos mofados, considerados mais graves para tipificação dos grãos.

Figura 3. Teor de grãos ardidos de soja armazenados nas temperaturas de 15, 25 e 35ºC durante 180 dias com umidades de 15% (A) e 18% (B).
Figura 3. Teor de grãos ardidos de soja armazenados nas temperaturas de 15, 25 e 35ºC durante 180 dias com umidades de 15% (A) e 18% (B).

A formação de grãos ardidos sempre foi atribuída ao processo fermentativo, porém esse processo não forma compostos pigmentados, assim tem-se algumas suposições sobre fatores que podem estar relacionados à ocorrência desses grãos, como: processo respiratório (1), atividade enzimática (2), oxidação de carotenoides (3) e atividade bacteriana (4), como descrito abaixo.O resultado do processo respiratório dos grãos, onde a presença de umidade e temperaturas elevadas na presença de oxigênio formam um ambiente aeróbico, aumentando a produção de ATP, elevando assim a atividade enzimática e desencadeando uma série de reações que provocam a deterioração das sementes.

 

  1. A presença de umidade dos grãos e temperaturas elevadas pode acelerar a atividade enzimática das enzimas degradadoras de lipídios que desestruturam a membrana celular, causando o escurecimento dos cotilédones dos grãos. A principal enzima envolvidas no processo de escurecimento enzimático é a polifenoloxidase (PPO), que causa uma oxidação de compostos fenólicos, sendo que o produto inicial da oxidação é a quinona, que forma pigmentos escuros após ser condensado, chamado de melanina, sendo dependente de enzima.
  2. Os carotenoides são pigmentos naturais de coloração amarela presentes em grãos de soja, principalmente ligados a fração lipídica. Esses pigmentos podem ser oxidados na presença de temperaturas elevadas, sendo que a velocidade de degradação é lenta, porém á medida em que se eleva a temperatura ocorre um aumento da velocidade de degradação, reduzindo o teor total de carotenoides presentes nos grãos,
  3. A atividade bacteriana não pode resultar isoladamente em processo fermentativo, pois os níveis de atividade de água dos grãos não são suficientes para permitirem o crescimento e a multiplicação bacteriana. Assim, outras formas de deterioração precisam ser iniciadas para aumentar a absorção de água, e desta forma elevar os níveis de atividade de água, para após isso permitir um desenvolvimento bacteriano.

A formação de grãos ardidos é um problema na comercialização dos grãos, e isto se intensifica ainda mais no processamento agroindustrial, pois o resultado desses grãos dificulta os processos de beneficiamento e industrialização, reduzindo a qualidade de produtos derivados e aumentado os custos operacionais.

Portanto, alguns estudos ainda necessitam ser realizados para identificar as condições que provocam a formação dos ardidos, se esses continuam se formando antes da colheita e também se desenvolvem durante o armazenamento. De qualquer maneira, a presença de grãos ardidos é um sério problema para os produtores e compradores de grãos de soja no país e no mercado externo, principalmente em anos onde as condições climáticas são adversas as condições ideais de manejo.

 

*Mais informações podem ser obtidas pelo E-mail ricardo.paraginski@iffarroupilha.edu.br

Informações sobre os autores: 1 Engenheiro Agrônomo, Dr., Professor do Instituto Federal Farroupilha, 2Tecnólogo em Alimentos, Dr., Professor do Instituto Federal Farroupilha, 3Acadêmica do Curso de Engenharia Agrícola do Instituto Federal Farroupilha

 

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