Equipamento assegura o bem-estar das novilhas, aumentando a eficiência reprodutiva e a taxa de prenhez
Por Carolina Rodrigues
Muitos fatores podem influenciar o desempenho reprodutivo de novilhas nos programas de IATF. “Meninas dos olhos” de um número cada vez maior de criadores no País, elas se tornaram o desafio da atual pecuária pela possibilidade de reduzir o ciclo reprodutivo e incrementar a rentabilidade do negócio com a produção de mais bezerros por hectare. À frente de estudos que procuram entender o que interfere na fertilidade deste grupo de fêmeas e obter melhores resultados de prenhez ao fim de cada estação de monta, o Departamento de Reprodução Bovina da Universidade de São Paulo (USP) esbarrou em uma questão até então não colocada na pauta das fazendas que desafiam precocemente suas fêmeas: o uso de dispositivos intravaginais “ajustados” para novilhas jovens como maneira de garantir o bem-estar dos animais e aumentar a eficiência reprodutiva.
A iniciativa surgiu quase que por acaso e durante a avaliação do consumo individual de matéria seca num grupo de precocinhas em confinamento, conduzida pelos pesquisadores da USP, campus Pirassununga (SP), em 2014 para estimar a correlação da alimentação com a prenhez. Durante a observação, notou-se que, ao receberem o implante de sincronização, as fêmeas apresentaram queda na ingestão de alimentos de 1,8 kg de matéria seca por dia, situação que se manteve até o oitavo dia do protocolo de IATF, quando os implantes foram retirados. A resposta, segundo Pietro Baruselli, pesquisador à frente do departamento de reprodução bovina da universidade, foi quase intuitiva: por possuírem órgãos genitais menores, em função da pouca idade, as novilhas sentiam desconforto ao receber o dispositivo intravaginal de vacas adultas, o que reduzia o consumo alimentar, trazendo consequentemente perda de peso e atraso na prenhez. “Começamos, então, a estudar maneiras de eliminar os inconvenientes, partindo do princípio de que se déssemos mais conforto às fêmeas na sincronização, melhor seria a resposta reprodutiva”, diz Baruselli.
Ponto fundamental dos protocolos de IATF – uma vez que exercem o “papel” de controlar os níveis de progesterona (hormônio encontrado em excesso nas novilhas zebuínas) –, os dispositivos intravaginais hoje em uso no Brasil foram desenvolvidos anos atrás para atender vacas adultas, como as leiteiras, que podem pesar até 800 kg. “Se considerarmos que o peso médio de novilhas precoces no Brasil é de 300 kg, dá para se ter ideia do tamanho desconforto que essas fêmeas sentem”, observa Baruselli. Inicialmente, procurou-se o que existia no mercado em relação a dispositivos menores e possíveis aplicações. Depois, traçou-se um comparativo com as fêmeas sincronizadas com dispositivos convencionais (o de vacas adultas) para se chegar às diferenças e nas possíveis aplicações. Para Claudiney Martins, diretor da Fertiliza Consultoria, empresa parceira da USP na avaliação dos dados no campo, à medida que cresce o número de fazendas que tentam introduzir fêmeas jovens no processo reprodutivo, cresce também a necessidade de adequar ferramentas aos protocolos específicos. “O sucesso na concepção é multifatorial. A começar pelo peso das novilhas e classificação de escore corporal. Se elas entram com determinado peso na estação de monta e perdem a capacidade de manutenção de desempenho, o prejuízo na taxa de prenhez é quase imediato. E isso, muitas vezes, pode partir do equipamento inadequado, por exemplo.”
No levantamento realizado pela empresa com fêmeas de 14 meses nascidas em 2016 na Fazenda Kuluene (Nelore Jandaia), em Gaúcha do Norte, MT, foi possível observar as vantagens do dispositivo “ajustado” nos ganhos da balança. As novilhas desafiadas iniciaram o protocolo com 305 kg, registrando 310 kg ao fim dos trabalhos, ou seja, um ganho médio de 5,1 kg por animal. O contrário, no entanto, ocorreu no grupo de precocinhas sincronizadas com dispositivos maiores. Elas começaram o protocolo com peso superior ao do primeiro grupo – 309 kg – e perderam cerca de 2 kg em 10 dias, registrando peso final de 307 kg.
O resultado, segundo Martins, revela também uma nova fórmula para aumentar a eficiência dos projetos de precocidade sexual. “Quando ajustado, o dispositivo permitiu melhora de 10% na taxa de prenhez, que ficou em 40%, ante 31% registrado nas demais novilhas.” Embora o estudo tenha sido feito apenas com os animais da Jandaia, o dispositivo foi validado em outras propriedades brasileiras com quase 2.000 fêmeas sincronizadas nas grifes CV, OB, Nelore Terra Boa, Rancho da Matinha, Fazenda São Geraldo, Agro Andorinha e Agropeva, que, juntas, compreendem quatro Estados da Federação e compõem uma lista diferenciada de clientes da Fertiliza.
Antes de validar a tecnologia em fazendas com bons resultados com fêmeas precoces, a USP percorreu um longo caminho. A equipe de Pietro Baruselli realizou estudos em seis fazendas nos Estados de Mato Grosso do Sul, São Paulo e Mato Grosso, onde foram analisadas cerca de 800 fêmeas criadas e recriadas a pasto, em propriedades produtoras de genética e com condições ambientais e de manejo favoráveis para expressar a característica. Inicialmente, adaptou-se um dispositivo usado em pequenos ruminantes (ovinos e caprinos), que, com o apoio da Agener – Tecnopec, empresa de Saúde Animal, passou por modificações para se adequar à categoria de 14 meses. Desenvolvido durante a pesquisa da USP, o Primer PR, como foi batizado, tem apenas sete centímetros (os utilizados habitualmente em vacas adultas medem 17), uma cauda alongada para facilitar o manejo, além de concentrações menores do progesterona (0,3 grama, ante 0,5 grama usada no dispositivo comum).
A USP se debruçou então sobre uma série de fatores, a começar pelo desenvolvimento folicular, fator que determina as taxas de ovulação de determinada fêmea. O estudo apontou que novilhas sincronizadas com o dispositivo menor apresentaram taxa de crescimento folicular de 0,89 mm (milímetro), ante 0,88 mm no outro grupo, com um dado a mais na conta: melhoria de 11% na taxa de ovulação. Cientificamente, quanto maior o desenvolvimento folicular, maior a capacidade de ovulação da fêmea e também sua resposta à concepção.
Outro ponto positivo revelado pela pesquisa foi o aumento da taxa de prenhez no comparativo entre os dois grupos. Ficou acima de 12% nas novilhas sincronizadas com o dispositivo ajustado, chegando a ser 37% maior em experimentos rodados com novilhas de 24 meses. Na categoria, os ganhos foram mais expressivos, já que fêmeas nesta idade costumam apresentar alta produção de progesterona, respondendo melhor ao protocolo com menor concentração deste princípio ativo. Baruselli explica, que, ao aplicar o dispositivo menor nas novilhas mais eradas, o índice de progesterona foi “nivelado”, permitindo, assim, melhor resposta de prenhez.
O gerente de produto da Agener, Everton Luiz Reis, garante que embora tenha sido desenvolvido para o uso em fêmeas precoces e superprecoces, o dispositivo também pode ser utilizado para melhorar a eficiência reprodutiva de matrizes aos dois anos, já que se trata de uma categoria ainda jovem. “Temos, no Brasil, cerca de 13 milhões de fêmeas aptas ao primeiro parto aos 4 anos de idade. Se conseguirmos reduzir este ciclo em pelo menos um ano, já teremos grandes avanços.” Os últimos ajustes no Primer PR ocorreram neste mês de março, quando o produto foi lançado oficialmente no mercado, pelo valor médio de R$ 10 por novilha sincronizada.
*Matéria originalmente publicada na edição 450 da Revista DBO.