14 out de 2017
Brasil – Pecuária – Botulismo, uma tragédia anunciada

Revés em fazenda sul-mato-grossense alerta para as falhas no combate à doença

Um cenário devastador. A imagem com centenas de bovinos mortos na fazenda Mônica Cristina, em Ribas do Rio Pardo, a 40 quilômetros da capital Campo Grande, MS, voltou a chamar a atenção de criadores para uma enfermidade de grande importância econômica e sanitária na pecuária brasileira: o botulismo. A presença de toxinas botulínicas dos tipos C e D na silagem de milho reidratado que foi adicionada à ração de 1.700 animais confinados provocou a maior incidência de mortes por botulismo já registrada em uma única fazenda no País.

 

Em quatro dias, de 3 a 7 de agosto, 1.100 animais com idades entre 24 e 36 meses com sinais de paralisia muscular morreram, causando prejuízo estimado em R$ 2 milhões para o confinador Pérsio Ailton Tosi. “Sempre trabalhamos com muita eficiência e respeito à sanidade animal e ao meio ambiente”, afirma o pecuarista que é proprietário da Marca 7, condomínio que agrega além dessa fazenda, outras quatro propriedades – duas de cria e duas de recria – localizadas nos municípios de Ribas do Rio Pardo, Águas Claras e Três Lagoas, todas no MS. Com mais de 40 anos na atividade, Tosi é um criador profissional. Trabalha com ferramentas modernas e adota todos os protocolos preconizados por especialistas para garantir o bem-estar e o bom desempenho dos animais. Mas isso não foi suficiente para evitar a tragédia. “Tenho que redobrar os cuidados”, admite o pecuarista.

 

De acordo com o médico veterinário Luciano Chiocheta, diretor-presidente da Agência Estadual de Defesa Sanitária Animal e Vegetal de Mato Grosso do Sul (Iagro/MS), houve falhas na conservação da silagem. “A causa provável foi a proliferação das toxinas botulínicas por meio de bolor ou mofo na ração animal, mais especificamente na silagem de milho em grão”, afirmou, com base nos resultados dos ensaios laboratoriais do setor de Patologia Veterinária da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS). Em visita à propriedade, técnicos da Iagro/MS encontraram rasgaduras em um dos silos-bag, mas não detectaram a presença de carcaça de nenhum animal na silagem, o que levanta também a possibilidade de que o material ensilado tenha se deteriorado ao entrar em contato com o ar, deixando o ambiente propício para o desenvolvimento da toxina.

 

A outra “brecha” para a disseminação do botulismo no rebanho foi detectada no protocolo de imunização aplicado nesta safra de animais. Pérsio Tosi substituiu a vacina própria para o combate ao botulismo, usualmente aplicada nos animais no pré-confinamento, por uma outra vacina polivalente para proteção contra todos os tipos de clostridioses, entre elas a C. botulinum. “Aplico a vacina anti-clostridiose e o reforço nos bezerros, mas este ano não encontrei a vacina contra o botulismo no mercado e decidi apostar em um novo medicamento”, lamenta.

 

Como garantir a imunização?

 

Os equívocos registrados na Fazenda Mônica Cristina servem de alerta para os pecuaristas brasileiros. Não basta apenas vacinar, é preciso verificar se o protocolo de imunização foi adotado corretamente e, no caso dos confinamentos, redobrar a atenção no processamento e estocagem da ração. Segundo o professor Iveraldo dos Santos Dutra, que ministra a disciplina de Enfermidades Infecciosas dos Animais na Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Araçatuba, SP, todos os anos são comercializadas cerca de 110 milhões de doses de vacinas anticlostridiose. “Se todos os animais fossem adequadamente imunizados, a quantidade de doses deveria subir para algo na faixa de 180 a 200 milhões”, afirma.

 

O especialista explica que o correto é vacinar a vaca a partir do quinto mês de gestação e o bezerro após os quatro meses, quando ele perde a imunidade passiva, proveniente do colostro. “Antes disso, os anticorpos colostrais podem inativar os compostos das vacinas” alerta.

A segunda dose, chamada de reforço, deve ser aplicada aos oito meses de vida do animal. Depois disso, o bovino deve ser vacinado anualmente ou 30 dias antes de ingressar no confinamento. Além da adoção do protocolo, o ideal é manter uma mesma marca de vacinas durante todo o processo e se certificar de que sejam produtos de boa qualidade.

 

“Tanto as vacinas polivalentes quanto as específicas contra o botulismo podem ser eficientes, se contiverem pelo menos o dobro de antígenos (bacterinas, que são a emulsão de bactérias mortas ou atenuadas e toxóides, que são toxinas bacterianas inativas) do exigido pelo Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento, que é de 5 e 2 Ul/ml (unidades internacionais) para as toxinas bacterianas C e D, respectivamente”, explica. Dutra, que é um crítico contumaz da quantidade mínima de antígenos determinada pelo Mapa, como já demonstrou em reportagem publicada na edição 369 de DBO, em junho de 2011, afirma que existem excelentes produtos e que todas as vacinas são submetidas a testes oficiais.

 

Contudo, segundo ele, há estudos que comprovam que os parâmetros técnicos estabelecidos pelo Mapa não garantem imunidade por mais de três meses para o bovino. “A decisão do Mapa atende critérios da farmacopeia europeia, mas os desafios em um país de clima tropical como o Brasil são muito maiores”, diz. Procurada por DBO, Janaína Garçone, diretora do Departamento de Fiscalização de Insumos Pecuários (DFIP) da Secretaria de Defesa Agropecuária (SDA/Mapa), limitou-se a afirmar que a área técnica está investigando possíveis falhas no caso da vacinação usada na fazenda em Mato Grosso do Sul.

 

A vacina contra o botulismo não é obrigatória, mas é bastante indicada, especialmente nos confinamentos. O professor Dutra chama a atenção para a imunidade massal do rebanho. “Uma vacina de boa qualidade contra botulismo, aplicada de acordo com o protocolo, protege acima de 90% dos animais no rebanho e eleva substancialmente a capacidade destes animais de responderem aos desafios epidemiológicos do campo”, completa. Mesmo que os animais manifestem a doença, os casos clínicos serão mais brandos e as chances de reversão serão maiores.

 

A culpa não é da silagem

 

A silagem de milho reidratado tem sido cada vez mais utilizada nos confinamentos do País, por que é uma técnica muito eficiente e reduz os custos de produção na propriedade. Pérsio Tosi, que passou a usar a estratégia em 2016 e está terminando de esmagar e embutir em silos bolsa 50 mil sacos de milho reidratados, garante que não vai mudar a dieta. “Não vou deixar de usar milho reidratado, mas agora vou reforçar a vistoria dos silos e fazer análises na forragem antes de misturar na ração”, afirma.

 

O zootecnista Patrick Schmidt, que é coordenador do Centro de Pesquisas em Forragicultura, da Universidade Federal do Paraná (CPFOR/UFPR), confirma que essa é uma estratégia excelente para os confinamentos. “Tem alta qualidade nutricional, com teor elevado de energia e bom nível de digestibilidade”, diz, mas pondera que a análise para identificação de micotoxinas ou bactérias na silagem é uma prática rara e muito cara. ” São poucos os laboratórios habilitados a realizar este tipo de exame na forragem”, afirma. Para Schmidt, a medida é desnecessária se a silagem for feita dentro dos padrões. “Quando recebe o teor correto de umidade e é bem compactada, o risco de desenvolvimento de fungos ou bactérias é quase nulo”, afirma.

 

Diego Palucci, médico veterinário e Gerente de Negócios de Corte do Rehagro, consultoria de Belo Horizonte, MG, também atesta o uso da silagem de milho nos confinamentos. “O silo-bag tem se mostrado um sistema mais seguro e controlado do que os silos de superfície ou trincheira, porque a matéria já vai sendo compactada sem contato com o ar ambiente, o que eleva a qualidade da silagem e diminui o risco de acesso de animais silvestres”. A proteção dos silos com telas pode ser uma saída para evitar o ” ataque” de aves ou roedores, sugere o especialista. Outro cuidado importante é na inspeção regular do barracão. A dica é do consultor agropecuário José Carlos Ribeiro, da Boi Saúde, consultoria de São José do Rio Preto, SP. ” É preciso identificar alimentos com odores e texturas diferentes, mofos nas embalagens e presença de roedores nestes espaços”, afirma. Segundo o consultor, estes animais podem prejudicar a qualidade do sal mineral e outros nutrientes oferecidos ao gado.

 

Como proceder

 

O Clostridium botulinum é uma bactéria que está presente no solo, na água, em toda matéria orgânica e no trato gastrointestinal de animais. Extremamente resistente, produz uma toxina que se multiplica em carcaças ou vegetais em decomposição e pode levar o animal intoxicado à morte de 1 a 17 dias após a ingestão do alimento contaminado. Roberto Siqueira Bueno, diretor executivo da Iagro/MS, aponta os procedimentos que devem ser adotados caso haja suspeita da doença:

 Separe os animais doentes e não os sacrifique, comunique o serviço oficial de inspeção sanitária do Estado;

 Em caso de morte, verifique, junto com autoridade ambiental, o local adequado para o enterro dos animais (pontos elevados, longe de mananciais, minas de água, brejos);

 As covas devem ter pelo menos quatro metros de profundidade;

 No cocho, após toda a retirada da ração foco da intoxicação, os bovinos podem voltar a se alimentar normalmente.

Matéria orginalmente publicada na edição 443 da Revista DBO

 

Fonte: DBO 443
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