Estimulação tátil em bezerras e novilhas ajuda na prevenção de doenças
Por: Roberto Nunes Filho
Um manejo bastante simples e acessível está trazendo resultados satisfatórios para algumas fazendas brasileiras e potencializando os princípios de bem-estar animal nestas propriedades. Trata-se de uma técnica de estimulação tátil em bezerras e novilhas, capaz de melhorar a qualidade de vida do rebanho leiteiro e, consequentemente, a rentabilidade do produtor. A simplicidade mencionada acima, no entanto, esbarra em dois grandes desafios: mudança de cultura da fazenda e capacitação da mão de obra.
O comportamento natural das vacas é lamber os bezerros. A técnica de estimulação tátil, portanto, nada mais é do que uma simulação desta conduta, realizada com o auxílio de uma escova ou com as próprias mãos. Tal contato desencadeia importantes reações químicas no organismo do animal que justificam a importância deste manejo. É aí que está o segredo.
“A estimulação realizada nos mamíferos produz ocitocina e neurotransmissores, que são substâncias químicas que facilitam a transmissão de impulsos nervosos no cérebro. Além disso, amplia a concentração de imunoglobulina, o que melhora a saúde do animal e potencializa o seu ganho de peso”, explica a zootecnista e pesquisadora do Grupo de Estudos e Pesquisas em Etologia e Ecologia Animal (Etco), Lívia Carolina Magalhães Silva. “Notamos ainda que essa prática promove o relaxamento das bezerras, viabilizando respostas comportamentais desejáveis, como a docilidade, por exemplo.”
Trabalhos conduzidos por Lívia mostram que os ganhos proporcionados ao rebanho por meio da escovação retornam à propriedade. Do ponto de vista de manejo, muitos procedimentos são otimizados, já que o trato de um animal mais tranquilo e saudável facilita a rotina dos funcionários. Em termos financeiros, o retorno também é notável. “A prática regular da estimulação tátil, associada a outros procedimentos em prol do bem-estar animal, reduz a mortalidade e morbidade no rebanho. Custos com medicamentos e perdas de animais, portanto, são reduzidos. Além disso, quando estas fêmeas são introduzidas na ordenha, elas não mais necessitam da aplicação de ocitocina exógena para estimular a descida do leite. Observamos que o uso deste recurso praticamente zerou nas fazendas que adotaram a técnica.”
O procedimento de escovação é bastante simples. Nas bezerras, o recomendado é que aconteça enquanto elas bebem leite. “Cerca de um minuto por animal é o suficiente. O importante, neste caso, é a regularidade. Vale destacar também que um tratador atende bem 50 cabeças”, recomenda a consultora. Já nas novilhas no pré- -parto, tal estimulação acontece na sala de ordenha, em um processo de adaptação realizado antes da lactação que está descrito a seguir.
A Fazenda Boa Fé (Conquista/MG), do Grupo Araunah, administrado pela família Ma Shou Tao, implementou a técnica em novembro de 2016. Passado um ano, os resultados já agradam o diretor executivo do grupo, Jônadan Ma. As primeiras bezerras submetidas à estimulação tátil, que hoje estão na fase de recria, tiveram melhoria no desempenho, fato que possibilitou antecipar a desmama e o desenvolvimento de animais que expressarão todo o seu potencial para a produção de leite.
Um dos ganhos mais significativos, até o momento, foi a redução da mortalidade, cuja taxa passou de 8% para pouco menos de 2%. “Considerando que desembolsamos quase R$ 1,4 mil por bezerro (custo compreendido desde a prenhez até a desmama), temos aí um incremento de receita muito bem-vindo”, observou Ma, que possui 109 bezerras. Outro avanço diz respeito à redução da morbidade, o que também impacta diretamente na rentabilidade do negócio.
“Andando entre as casinhas das bezerras, é possível observar que não há manchas brancas no chão, em sinal da incidência de diarreia”, acrescentou Jônadan. De fato, conforme a reportagem de Mundo do Leite constatou na visita realizada à fazenda, foi possível observar apenas a presença de esterco sólido. “Isso mostra que o nível de diarreia e pneumonia diminuiu bastante por causa deste projeto de manejo racional que adotamos. Tais desafios, eventualmente, ainda acontecem, mas a redução foi drástica no último ano.”
A escovação das bezerras é um processo relativamente simples, mas requer disciplina para que os efeitos apareçam. Por isso, o preparo e a conscientização dos colaboradores são fundamentais para o sucesso deste manejo. Conforme observou Jônadan, a prática não pode ser encarada como uma perda de tempo, até porque isso não acontece.
“Na verdade, um manejo é trocado pelo outro. Como os animais estão ficando menos doentes, o tempo dedicado à administração de medicamentos, por exemplo, está sendo direcionado para a escovação”, pontua o produtor. “O tratador é uma figura relevante neste processo, ele exerce grande participação na criação da “primeira memória” do animal, aquela que influenciará o seu comportamento futuro. Por isso, vale apostar no preparo da mão de obra, pois estamos falando de uma mudança de cultura, pautada na consciência de que os animais são seres vivos que precisam e merecem carinho e atenção.
Visão semelhante é compartilhada pela pesquisadora do Grupo Etco, que acrescenta que o contato diário dos tratadores com as bezerras viabiliza, ainda, o exercício de um manejo preventivo. “Essa aproximação faz com que o tratador observe melhor os animais e tenha uma percepção mais clara do seu real estado. Caso constate alguma condição suspeita, a tomada de decisão é mais rápida, o que amplia as chances de êxito. Por isso, os tratadores estão gostando deste manejo, pois, no fim das contas, ele facilita o trabalho deles”, acrescenta Lívia.
A afirmação da consultora é corroborada pelo tratador da Boa Fé, Mauro Maia, que trabalha há uma década na fazenda e há seis anos é responsável por cuidar das bezerras. “Antes, a bezerrada era mais arisca. Depois da introdução da escovação, elas estão mais dóceis e ficaram menos doentes, o que facilitou o nosso trabalho”.
O manejo de escovação das bezerras e novilhas adotado pela Fazenda Boa Fé faz parte de um programa de boas práticas, que levou seis meses para ser implementado. Antes de ele entrar em ação, todo um trabalho de base foi realizado para que os resultados fossem alcançados, como reestruturação da colostragem e do processo de cura de umbigo. O aleitamento das bezerras também foi revisto e, agora, é realizado por meio de baldes com bicos que proporcionam uma mamada lenta e, consequentemente, melhor digestibilidade do leite. “A sucção lenta do leite, semelhante ao que acontece quando o bezerro mama na vaca, evita o acúmulo de leite no rúmen e as chamadas diarreias nutricionais. Consequentemente, o ganho de peso é favorecido”, explica Lívia.
O processo de estimulação tátil também contempla as novilhas no pré-parto, que estão sendo preparadas para a primeira ordenha. O objetivo é promover a familiarização deste grupo de animais com a sala de ordenha, de modo a minimizar o estresse de uma introdução abrupta quando chegar o momento da retirada do leite.
Inicialmente as novilhas passam pela área de resfriamento, ficando neste local por cerca de 10 minutos. A partir do quarto dia, vão para a sala de ordenha, onde também ficam por alguns minutos. Lá, elas passam a ter contato com o ordenhador e também são escovadas. Além disso, alguns procedimentos de ordenha são simulados, como o pré-dipping. Por fim, na saída da sala, é oferecida uma ração para os animais, como forma de recompensa. Este manejo tem duração total de 21 dias. A partir daí, as novilhas ficam por uma semana em repouso no compost barn, aguardando o momento da parição.
“Esse processo permite que a novilha se sinta bem no ambiente que frequentará nos próximos meses, evitando o trauma de uma inserção repentina, sem um bom preparo”, defende Jônadan Ma. “A ordenha tem que ser vista pelo animal como um ambiente que lhe proporcionará alívio, por permitir o escoamento do leite represado.”
Graças a este procedimento, todas as vacas em lactação que passaram pelo processo de adaptação não precisam da aplicação da ocitocina para que o leite desça. Isso permitiu à Boa Fé reduzir em 20% o uso do hormônio. A meta para o futuro, quando todas as vacas terão passado por este processo, é zerar o uso da ocitocina. “A eliminação não apenas traz economia como poupa o animal de um procedimento agressivo. Além disso, é comum nas fazendas a repetição intensa no uso da agulha para aplicação do hormônio, fato que pode contribuir para a proliferação de doenças. O manejo racional dá trabalho, mas quanto custa uma vaca que morre por infecção de agulha?”, questiona o produtor.
Com relação ao tempo gasto no manejo, a lógica é a mesma da escovação das bezerras, ou seja, não necessariamente o processo de adaptação das novilhas na sala de ordenha resulta em acréscimo de tempo para os funcionários. Como os animais passam a entrar na sala sem dar trabalho e se sentem mais à vontade no local, a ordenha torna-se mais rápida. É este tempo “poupado” que passa a ser direcionado para o manejo de adaptação.
Fonte: Revista Mundo do leite