Nesta quarta-feira, 9, o mundo recebeu estupefato a notícia da eleição de Donald Trump para a presidência dos Estados Unidos. Dada como favorita nas pesquisas eleitorais, a candidata democrata, Hillary Clinton, teve 228 votos eleitorais enquanto o seu adversário republicano recebeu 279. No país, as eleições são indiretas e o resultado não é computado a partir da soma dos votos dos cidadãos, como acontece no Brasil.
O Portal DBO entrevistou especialistas que avaliaram possíveis reflexos da eleição para o agronegócio brasileiro.
Com base nos pronunciamentos de Trump durante a campanha, José Vicente Ferraz, da Informa FNP, e Tharcisio de Souza Santos, economista e professor da Faculdade de Administração da FAAP, veem o país adotando uma posição mais protecionista. O que não consideram ser necessariamente ruim.
Para Ferraz, medidas protecionistas do novo presidente americano podem beneficiar o Brasil e outros players mundiais do agronegócio. “Uma das ideias de Trump é o fortalecimento da indústria local, que consiste no fechamento de portas de produtos importados. Se isso de fato acontecer, os acordos bilaterais dos americanos com países como China e Japão devem ser enfraquecidos e os asiáticos devem reduzir a importação de produtos agropecuários dos EUA. E isso abre uma grande brecha para a entrada do Brasil”, diz o analista.
Como principais ganhos, Ferraz destaca ainda o possível aumento da venda de soja para a China – que tem os EUA como principal fornecedor do grão – e a entrada definitiva da carne bovina in natura no mercado japonês. “Hoje o Japão só compra carne de países que têm todo o seu território livre de aftosa sem vacinação. Com a possível barreira americana, eles podem repensar essa exigência, visando facilitar acordos bilaterais”.
O professor da FAAP concorda em certa medida, e afirma que o mesmo comportamento vale para o caso de os Estados Unidos decidirem rever sua participação em acordos como o Nafta, firmado com o México e o Canadá, e a Parceria Transpacífica (TPP), por exemplo. “O Brasil é concorrente da economia americana na exportação de uma série de produtos agrícolas, e como nós não fazemos parte desses acordos, isso pode eventualmente facilitar relações de comércio com outros países”, diz. No entanto, Santos pondera que o protecionismo gera sempre uma via de mão dupla.
De acordo com Santos, embora o Brasil tenha diversificado sua carteira de clientes, vem se tornando incômoda a postura de grandes economias no sentido de querer reduzir sua importação. “Embora seja cedo para falar a fundo sobre isso, sem dúvida, preocupa essa ideia de protecionismo; e a gente pode somar aí a saída do Reino Unido da União Europeia. Porque essa postura culmina na visão de um novo conservadorismo, de uma nova direita que está emergindo no mundo e traz dificuldades para a abertura de mercados e a globalização”, argumenta o professor.
De imediato, Ferraz não vê mudanças acontecendo nas regras do jogo, o que não significa que tudo permanecerá como está. “A eleição de Trump não deve impactar, por enquanto, o acordo dos EUA com o Brasil para importação e exportação de carne bovina, pois beneficia ambos os lados. No entanto, ainda é impossível prever o que pode acontecer ao longo dos anos”, diz o analista da FNP.
De olho na agenda global, Santos lembra ainda que é difícil prever quais serão as ações de Trump no que tange aos acordos do clima – que em campanha ele disse não estar disposto a ratificar. “Se fizer isso será uma tragédia, porque o compromisso que se conseguiu em Paris e, há pouco, em Nova York, é muito positivo. Nessas reuniões, a gente teve as duas nações que mais poluem no mundo, Estados Unidos e China, querendo fazer alguma coisa para resolver o problema. Então, se o Trump efetivamente cumprir o que está dizendo, ele abrirá uma porta para os chineses fazerem a mesma coisa”.
Discurso do novo governo – Em relação ao discurso feito pelo novo presidente dos Estados Unidos após o anúncio da vitória, o clima parece ser, ao menos, de otimismo. “Nesta fala ele estava muito mais cordato e apelando para a união. Então, pode ser que se mostre menos radical”, afirma o professor da FAAP. Para ele, Trump fez uma campanha agredindo a globalização e quis transmitir a ideia de que tornará o mercado americano mais fechado. “Mas a dúvida é: existe clima e possibilidade de fazer isso de uma forma concreta? Eu, pessoalmente, acredito que não”, diz Santos.
Em consulta a uma fonte que está no Congresso Mundial da Carne no Uruguai, a resposta quanto à repercussão do tema foi de que as pessoas, em geral, receberam a notícia da eleição de Trump com surpresa, mas também com tranquilidade. “Em discussões internas, achamos que existe uma excitação momentânea com a vitória, mas que tudo deve ir se acomodando e voltar ao ritmo normal. Até pelo discurso que ele fez, de união e agregação do país, para ter governabilidade”, disse um dos participantes.