24 nov de 2016
Oeste – Agricultura – MATOPIBA – Estão querendo desviar para o Centro-Oeste investimentos destinados a região
Está no MATOPIBA o segundo maior produtor de algodão do Brasil, o oeste da Bahia, que produz fibra com qualidade reconhecida em todo o mundo (Foto: Divulgação)

Por Antônio Oliveira

“A expansão agrícola em MATOPIBA é certamente uma roubada”.

Esta absurda declaração é de Arnaldo Carneiro Filho, diretor de Gestão Territorial Inteligente de uma empresa de consultoria com sede em São Paulo (SP). Essa empresa divulgou, recentemente,  um “estudo” sobre o Cerrado do MATOPIBA, cujo conteúdo, equivocado e maldoso, fora reportado, sem nenhuma consulta aos principais atores do agronegócio na região pela revista “Portos e Navios” e pelo jornal “Valor Econômico”.

Esse “estudo” e sua publicação unilateral reforça uma desconfiança, ao menos nossa, editores deste site e de sua versão impressa, de que há uma grande orquestração para enfraquecer os cerrados produtivos do Norte e Nordeste do Brasil, em benefício da região Centro-Oeste, principalmente de Mato Grosso.

Esta desconfiança teve como ponto de partida a extinção do Departamento que existia no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), voltado para esta que é a última fronteira agrícola do mundo, certeza de celeiro farto para os 2 bilhões de habitantes a mais que o Planeta vai ter nos próximos 30 anos e de ajudar a matar a fome de mais de 800 milhões de famintos em países subdesenvolvidos; passou por um seminário realizado pelo Mapa com empresários e líderes políticos do Japão, que há anos estão interessados em investirem na produção de alimentos, fibras e logística no MATOPIBA, e culminou com este absurdo “estudo”, publicado por renomado veículo de comunicação, fugindo a ética do jornalismo.

Alguns trechos desse “estudo” e da  matéria. Nós analisamos a  do “Valor”, do dia 20 deste mês:

– Matopiba está próximo do limite de sua capacidade de expansão. A região, que atraiu nos últimos anos centenas de produtores rurais em busca de terras baratas, tem hoje um estoque de área com aptidão para soja bastante restrito: menos de três milhões de hectares -, afirma o Jornal, sem conhecimento de causa para tal afirmação.

– Os produtores devem evitar o Matopiba (confluência de Maranhão, Tocantins, Piauí e o Oeste da Bahia) e priorizar investimentos nas áreas de Cerrado localizadas em Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás, Minas Gerais e até em São Paulo – recomenda o “estudo”, num claro propósito de desviar investimentos do MATOPIBA.

– A compra de terras baratas em MATOPIBA foi um raciocínio equivocado do ruralismo de fronteira, baseado no ganho patrimonial. Mas não tem tanta terra com aptidão para soja. E a crise climática será pior ali que em Goiás, por exemplo  disse Arnaldo Carneiro Filho, diretor de Gestão Territorial Inteligente da consultoria que realizou o “estudo”.

– No Matopiba restam só 2,8 milhões de hectares de pastos com as condições ideais similares para o plantio de grãos, levando-se em consideração declividade e altitude de terrenos – aponta o “estudo”

– Olhando por outro lado, há no MATOPIBA o dobro (6,4 milhões de hectares) de pastagens com baixa aptidão à soja, um risco potencial de investimento para desavisados – revelou o “estudo”, com o aval de “Valor”.

A região tem grandes projetos de irrigação com respeito aos seus recursos hídricos (Foto: Divulgação)
A região tem grandes projetos de irrigação com respeito aos seus recursos hídricos (Foto: Divulgação)

De acordo com o Jornal especializado em economia “a análise da consultoria levantou dados georreferenciados sobre o bioma, permitindo entender a dinâmica da ocupação e o uso do solo entre 2000 e 2014, período de grande avanço da soja na região”.

– Se contabilizadas as áreas de alta aptidão com vegetação nativa, o MATOPIBA ganharia 4,2 milhões de hectares de capacidade de expansão de grãos, contra 8,3 milhões de hectares no restante do Cerrado – afirmou Valor.

– Mas não é preciso desmatar. Há pasto suficiente, com aptidão, para converter a grão – garantiu Carneiro.

– Os problemas climáticos registrados nas últimas três safras – intensificados em 2015/16 pelo El Niño – levantaram dúvidas sobre a viabilidade de plantar grãos nessa região do país, responsável por quase 10% da produção nacional. Muitos que compraram terras em MTOPIBA viram o chão trincar sob o calor nesses anos e a renda evaporar, elevando as dificuldades financeiras de produtores em grande parte já descapitalizados – afirma “Valor”, baseado no tal “estudo”.

A certa altura da matéria, “Valor” usa a Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja), inclusive equivocando-se o nome de seu presidente:

– Segundo Glauber Silveira, presidente da Aprosoja, associação que reúne produtores, as restrições existem na “nova fronteira”. Ele diz que as melhores terras foram compradas por quem chegou primeiro e que a “mudança de mãos” de propriedades com menor rentabilidade deve se intensificar agora.

Em seguida, o Jornal transcreve mais um trecho do “estudo” com equivocada e maldosa informação:

– Houve uma corrida para MATOPIBA, mas os [produtores] ‘top’ não foram para lá. Por que você acha que um Eraí Maggi não está em Matopiba?”, citou.

Depois, transcreveu palavras do “Presidente” da Aprosoja, com mais um equívoco, desta vez do que o Jornal chamou de presidente da entidade de representação dos sojicultores brasileiros:

– Muitos foram porque era barato e quebraram a cara. Tem pastagem, mas é caatinga (sic). E a cada cinco safras, três quebram. A saída é evoluir em tecnologia e na produtividade.

Ora, não há Caatinga na região delimitada como MATOPIBA.

Por fim, outra declaração maldosa e dirigida, não sabemos nós, se está no Estudo ou se é afirmação de “Valor” ou da revista “Portos e Navios”.

Cerrado Rural ouviu o outro lado

Fomos atrás de alguns importantes atores e instituições do agronegócio e da política na região do MATOPIBA, bem como do presidente da Embrapa, Maurício Lopes.

A Associação dos Agricultores e Irrigantes da Bahia (Aiba) foi a mais contundente na defesa dos interesses da verdadeira realidade da região.

– A Associação de Agricultores e Irrigante da Bahia (Aiba) recebeu com surpresa o resultado de uma pesquisa realizada pela consultoria Agroicone e publicada no jornal Valor Econômico, na edição da última segunda-feira (21), intitulada de “Matopiba está perto do limite, diz estudo” – iniciou a instituição que congrega 1.300 produtores rurais no oeste da Bahia.

– Nos causa estranheza dois fatos: os números apresentados, que divergem totalmente dos dados oficiais; e a ausência de uma fonte regional na matéria, que possa falar com conhecimento de causa de quem vive a rotina local – apontou.

Ainda conforme a Aiba, os números apresentados não condizem com a realidade do MATOPIBA.

– A Associação acredita veementemente que tal equívoco tenha ocorrido em função de os pesquisadores e as fontes ouvidas desconhecerem a realidade da região, e se basearem em dados e estatística prematuros, tomando como base apenas os últimos quatro anos, cuja produtividade foi comprometida em função de problemas climáticos ocasionados pelo fenômeno El niño – esclareceu.

Ele continua esclarecendo que ao contrário do que foi divulgado, a área total cultivada em todo MATOPIBA é de 73 milhões de hectares, sendo 66,5 milhões de hectares no bioma Cerrado.

– Somente no oeste da Bahia, há mais de 3 milhões de áreas de Cerrado agricultáveis disponíveis para serem incorporadas às áreas produtivas já existentes. Tudo isso, respeitando o Código Florestal, cuja legislação ambiental é uma das mais rígidas do mundo – esclareceu.

A Aiba informou ainda que de acordo com o último levantamento da Conab e do IBGE, a região Nordeste do país superou o Sudeste em produção de alimentos.

– Das 18,6 milhões de toneladas produzidas, boa parte é oriunda do MATOPIBA, o que reforça a tese de que esta fronteira agrícola encontra-se em franca expansão – frisou.

Por fim, a Aiba fez um convite aos “estudiosos”:

É uma das maiores produtoras de soja no Brasil, com altas produtividade (Foto: Divulgação)
É uma das maiores produtoras de soja no Brasil, com altas produtividade (Foto: Divulgação)

– Levando em consideração essas informações, a Aiba convida o Instituto Agroicone e o Jornal Valor Econômico a conhecerem melhor a região e o seu potencial, bem como o nosso banco de dados, que contém o histórico de mais de duas décadas e não apenas dos anos recentes, que é insuficiente para construir tal diagnóstico.

Cerrado Rural ouvi também o presidente da Cooperativa Agroindustrial do Tocantins (Coapa), que opera numa das três maiores regiões produtora de grãos do Tocantins – de Pedro Afonso -, Ricardo Khouri.

Khouri, que é um dos pioneiros no projeto Prodecer III (implantado na região), preferiu emitir uma nota à nossa redação:

“Discordo diametralmente com referencia às afirmações sobre ocorrência climática. Apenas na última safra – 2015/2016 – tivemos perdas de produtividade significativas, nos outros dois anos citados, ocorreram problemas pontuais de pouca ou nenhuma relevância, pensando-se em toda extensão do Matopiba.

 

Parece-me claramente uma análise muito pouco factual e mais de interesse imobiliário, ou seja, provocar o esfriamento de negócios de terras em comparação com outras localidades, sem sequer ser abordada a questão comparativa sobre logística, por exemplo”.

 

Este site procurou também o presidente da Embrapa, Maurício Lopes, por meio da Assessoria de Comunicação da estatal e do privado dele no Facebook. Lopes não respondeu à nossa redação por de seu perfil. Na Empresa, a Ascom nos informou que passou a nossa demanda para os técnicos, que responderam dois dias após nosso pedido.

 

A Empresa, responsável pelos aprofundados estudos sobre o MATOPIBA, culminando na sua institucionalização por meio da então ministra da Agricultura, Senadora Katia Abreu, limitou-se a expedir a seguinte nota por meio de sua Ascom:

 

“Prezados,

Conversamos com nossos técnicos e estes nos disseram que não há elementos técnicos suficientes que sustentem as informações da matéria veiculada.

Atenciosamente,

Gilceana Soares Moreira Galerani
Chefe da Secretaria de Comunicação (Secom)”

Após receber esta nota, argumentamos com a chefe da Ascom que o assunto era muito grave para Embrapa ser tão evasiva.

Horas depois veio outra nota:

“Prezado Sr. Antonio,

Tivemos acesso aos dados da Agroícone há pouco tempo. Os dados do zoneamento agrícola que coordenamos contrastam com as informações da matéria. Mas vamos analisar com cuidado antes de emitir qualquer nota mais aprofundada. Pedimos aguardar mais um breve tempo.

Obrigada,

Gilceana”

Como temos prazo de fechamento de matéria o chamado diedline, e passamos esse limite para a Empresa, decidimos não esperar, mas nos colocando a disposição para publicação de um argumento mais aprofundado da Embrapa, como aprofundado foram seus estudos e, até pouco tempo, defesa da região.

Cerrado Rural procurou também, por meio de seus assessores, a ex-ministra Katia Abreu, reconhecidamente uma aguerrida defensora do MATOPIBA e o secretário de Agricultura do Maranhão, Márcio Honaise, que é da região. Mas não obtivemos resposta.

A todos o espaço está garantido para suas defesas da região.

Nossa indignação

Este editor escreveu uma carta para referida consultoria, solicitando que ela explicasse melhor a metodologia de seus “estudos” e, embora cobrada por duas vezes, não se posicionou.

Escrevi também para a redação de “Valor”, comentando o tamanho da “barriga” (informação equivocada). Também, até o fechamento desta matéria – poucos minutos antes desta postagem – não obtivemos uma justificativa do Jornal.

Cerrado Rural está aberto a este debate a defesa da região.

 

Editora Cerrado

 

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