Oeste da Bahia – O que o algodão tem a ver com a medicina baseada em evidências?
O médico Lucas Mangia explica como pesquisas têm ajudado a definir que tecidos de algodão são as melhores opções para a saúde e bem estar da população.
Contra os males do roteiro fértil dos contos de fadas, cabem poções mágicas produzidas em engenhosos castelos de bruxas. Mistura-se uma pitada de cá, um punhado de lá e uma gota de acolá e bam! – bebe-se a efervescente cura para o pior dos agouros e a mais penosa das dores.
No entanto, na vida real, precisamos de soluções um pouco mais seguras que estas da fantasia. Será que a pitada não precisa ser mais uma colherada? Mas, e o punhado, não é tóxico? Essa gota aí, é mesmo necessária? São perguntas como essas que podem sempre surgir diante de novos desafios na área da saúde, seja no reconhecimento de doenças ou no estabelecimento de novos tratamentos ou práticas de prevenção.
Diante do questionamento prático, as estórias da carochinha pouco acrescentam ao enredo da realidade. E há apenas um protagonista capaz de resolver os mistérios da vida, trazidos pela inteligência humana ao deparar-se com o mundo como ele é: a ciência.
Medicina baseada em evidências
No campo da saúde, mais especificamente da Medicina, um forte movimento de valorização da boa pesquisa científica como alicerce da prática clínica de qualidade vem crescendo nas últimas décadas.
Denominado de Medicina Baseada em Evidências, ou MBE, esse movimento deixa de lado as crendices e busca, através das melhores provas científicas, a resposta mais segura e embasada para as dúvidas e desafios na promoção e restauração da saúde. Assim, antes de qualquer recomendação preventiva ou terapêutica, a MBE exige que haja um corpo de evidências de pesquisas confiáveis para suportá-las
Assim, ao se promover práticas geradas por MBE, dá-se segurança e maior garantia de resultados aos indivíduos e às populações. Afinal, não se pode querer saúde suportada por fake news e poções mágicas, não é mesmo?
O uso do algodão na saúde tem fundamento científico
O algodão é matéria–prima para inúmeras cadeias produtivas, mas seu uso é sempre mais reconhecido no vestuário. Roupas de algodão são tidas como mais leves, fáceis de lavar e confortáveis. Entretanto, para além do senso comum, haveria no uso do algodão algum benefício baseado em evidências?
Esse capítulo – ainda que brevemente explorado no livro da Ciência – traz algumas conclusões interessantes. Aqui, compartilho um estudo publicado em 2014 em um jornal de microbiologia norte-americano e citado por pelo menos outros 60 autores desde então¹.
Tecidos sintéticos, maus odores e proliferação de bactérias
Nele, os cientistas pesquisaram o crescimento de microorganismos e o desenvolvimento de maus-odores em roupas de indivíduos saudáveis após prática esportiva. Foram avaliadas camisetas de algodão e de tecido sintético usadas horas antes durante uma sessão de spinning. O resultado não foi surpreendente: roupas de poliéster apresentaram cheiro mais desagradável e maior crescimento bacteriano que aquelas feitas de algodão.
Os autores levantaram, inclusive, uma possível correlação de causa-efeito entre esses achados. Ou seja, por crescerem mais bactérias no tecido sintético, ele estaria mais sujeito ao desenvolvimento de maus-odores.
Outro artigo publicado por um grupo japonês em 1995 demonstrou maior produção de suor entre indivíduos submetidos a condições de calor e alta umidade quando em uso de roupas de poliéster, em comparação com quando em uso de vestimentas de algodão².
Ainda que muitas vezes coincida com o bom-senso, como nos casos acima, as respostas da ciência são a bússola que, em última instância e sempre que possível, deve guiar as recomendações em saúde.
Em resumo, em ciência e medicina, não pode haver espaço para “era uma vez”, fábulas ou disse-me-disse. Em se tratando de uma temática tão complexa como nossa saúde, vale confiar nas sagas científicas – muitas vezes cheias de dúvidas, mas avessas a meias-verdades, e duvidar de heróis produzidos em rumores de rede sociais.
1.Callewaert C, De Maeseneire E, Kerckhof FM, Verliefde A, Van de Wiele T, Boon N. Microbial odor profile of polyester and cotton clothes after a fitness session. Appl Environ Microbiol. 2014;80(21):6611-6619. doi:10.1128/AEM.01422-14
2.Ha M, Tokura H, Yamashita Y. Effects of two kinds of clothing made from hydrophobic and hydrophilic fabrics on local sweating rates at an ambient temperature of 37 degrees C. Ergonomics. 1995;38(7):1445-1455. doi:10.1080/00140139508925201