Estudo da Embrapa desenvolveu o passo a passo para a produção de uma farinha de banana-verde de qualidade e com alto teor de amido resistente, um tipo de carboidrato que se comporta como fibra no organismo. Esse carboidrato não é digerido, mas fermentado por bactérias benéficas do intestino grosso, contribuindo para evitar doenças inflamatórias do sistema digestório e diminuir os riscos de câncer do cólon intestinal.
Além disso, o amido resistente ajuda a reduzir a velocidade da liberação dos açúcares do alimento no sangue (índice glicêmico), prevenindo e auxiliando no tratamento do diabetes tipo 2. A principal inovação é a utilização do plátano (banana-da-terra) em substituição às bananas Prata e Nanica na fabricação dessa farinha. Além do elevado teor de amido resistente, os plátanos apresentam maior quantidade de matéria seca (porção que sobra dos alimentos após a retirada de toda a sua umidade) e maior rendimento para a produção da farinha.
A banana-verde é considerada o alimento não processado mais rico em amido resistente. E, de acordo com as cientistas envolvidas na pesquisa, a farinha é a melhor forma para disponibilizar esse tipo de amido na dieta da população brasileira. É um produto nutritivo e saudável, pois apresenta ainda altos teores de magnésio, manganês e potássio e baixos teores de gorduras e sódio.
A banana no mundoA banana está entre os dez alimentos mais importantes do mundo. De acordo com os dados coletados no estudo, a produção mundial em 2016 foi de aproximadamente 114 milhões de toneladas e o valor bruto de produção alcançou US$ 34 bilhões (dados da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura – FAO, 2018). O Brasil ocupa a terceira posição no cenário mundial, com cerca de 6,8 milhões de toneladas produzidas em 470 mil hectares, o que representa um valor bruto de produção de US$ 3,4 bilhões anuais, correspondendo a 3% da riqueza gerada pela produção agrícola brasileira, reforçando a importância da fruta para o agronegócio nacional (FAO, 2018). |
Outra vantagem da farinha de banana-verde é a sua facilidade de produção, que requer uma tecnologia simples, criando oportunidades de negócios para as agroindústrias familiares. A contribuição dessa pesquisa é padronizar as etapas de produção, que incluem descascamento, fatiamento, desidratação, trituração e acondicionamento.
Para a produção de farinha de qualidade (muitas encontradas hoje nos mercados apresentam baixa qualidade visual e nutricional), as pesquisas estabeleceram padrões nas etapas de processamento e buscaram utilizar variedades com grande quantidade de amido resistente.
Por meio do projeto “Identificação de bananas e plátanos promissores em amido resistente para o desenvolvimento de produtos com potencial prebiótico”, financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (Fapesb) e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), a pesquisadora da Embrapa Mandioca e Fruticultura (BA) Ronielli Reis e parceiros analisaram 20 genótipos (cultivares) de bananas e plátanos que integram o Banco Ativo de Germoplasma (BAG) da Embrapa, localizado em Cruz das Almas (BA). Os plátanos se mostraram mais interessantes para a produção de farinha do que as bananas.
“Selecionamos três genótipos de plátanos do nosso BAG e a Terra Maranhão, cultivar de plátano comercial, pois foram as mais interessantes para a produção de farinha. Hoje, no Brasil, a farinha de banana-verde é feita usualmente com Grand Naine, Pacovan, Prata-Anã, que são tipos de banana. Os plátanos apresentam mais matéria seca, alto teor de amido resistente e maior rendimento”, explica Reis. O maior diferencial está no rendimento. Enquanto as bananas Grand Naine, Pacovan e Prata-Anã obtiveram 17,23%, 18,70% e 20,28%, respectivamente, os genótipos de plátanos indicados no estudo apresentaram valores bem maiores: Chifre de Vaca, 24,31%; Comprida, 27,71%; Trois Vert, 25,32%; e Terra Maranhão, 25,17%. Por exemplo, para cada 100 quilos do plátano Terra Maranhão (com casca), será possível obter 25 quilos de farinha.
Uma razão para o mercado não utilizar hoje os plátanos como matéria-prima na produção de farinha de banana-verde é o fato de eles não estarem presentes em todo o País, com sua produção concentrada no Nordeste e consumidos cozidos, fritos ou na forma de farinha. A Embrapa vem trabalhando para mudar esse quadro e aumentar a produção de plátano no País, introduzindo variedades, por exemplo, no Vale do Ribeira (SP), maior região produtora de banana do Brasil.
Reis diz que para haver uma mudança de paradigma é necessário que o produtor passe a enxergar a produção de farinha não como mero aproveitamento do descarte de produção. Ele deve observar, como pontua a pesquisadora, o conjunto de fatores para a obtenção de um produto de melhor qualidade e com maior potencial funcional, como a escolha da variedade, o ponto de maturação adequado, a técnica de secagem, ou seja, todas as etapas recomendadas na pesquisa, que tem como parceiros a Embrapa Agroindústria de Alimentos (RJ) e a Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS).
“O que a Embrapa está fazendo é mostrar esse passo a passo para a obtenção de uma farinha de qualidade, com coloração mais clara e atraente, inclusive utilizando substâncias que previnem o escurecimento, a oxidação da farinha. Por exemplo, armazenamos essa farinha por quatro meses em temperatura ambiente, sem tecnologia nenhuma, simplesmente embalada em uma embalagem plástica normal, barata. A farinha ficou estável do ponto de vista microbiológico, e a cor, um indicativo de qualidade do alimento, alterou muito pouco. O teor de amido resistente não caiu. Enfim, são coisas que vemos faltar no mercado, esse tipo de padrão de qualidade”, salienta.
A pesquisa indica a utilização da Terra Maranhão, cultivar facilmente encontrada no mercado. Reis ressalta que, caso o produtor queira usar outra variedade de plátano, vai obter um produto com melhor qualidade de qualquer forma, desde que siga as etapas corretas de processamento.
“Em termos de amido resistente, por exemplo, se usarmos a Terrinha, variedade de plátano também facilmente encontrada no mercado, é possível obter 40% de amido resistente, enquanto a Terra Maranhão chega a 62%”, informa. Ela frisa ainda que, se houver a padronização do estádio de maturação, temperatura de secagem, umidade final, forma de trituração, e outros aspectos, o produtor já terá uma farinha de melhor qualidade visual e nutricional se comparada às comercializadas hoje.
A farinha de banana-verde encontrada hoje é escura, sem padronização. “Usam-se frutos verdes, maduros, sem qualidade, o que resulta em um produto de péssima qualidade. O nosso papel é mostrar que podemos ter uma farinha de boa qualidade, com uma coloração superatraente, com alto teor de amido resistente e que pode ser aplicada em diversos produtos, visando ao seu enriquecimento nutricional”, acredita Reis.
Outra parte da pesquisa, sob a responsabilidade da pesquisadora da Embrapa Eliseth Viana, sugere a aplicação da farinha de banana-verde no desenvolvimento de produtos agroindustriais. “Já se sabe que o amido resistente é benéfico à saúde, por isso, estudamos formas de o consumidor ter acesso a essa substância em sua alimentação diária”, afirma a pesquisadora. Ela incorporou a farinha de banana-verde no desenvolvimento de um pão de forma mais rico em amido resistente. “Trabalhamos com quatro concentrações de farinha de banana-verde: 0%, ou seja, sem esse produto, 10%, 15% e 20%. Conseguimos incorporar até quatro vezes mais amido resistente nas formulações de pão com a farinha em relação ao pão sem a farinha de banana. E tivemos mais de 90% de aprovação em um teste sensorial realizado com 71 provadores, aqui na Unidade de pesquisa, em Cruz das Almas”, informa Viana, que realizou esse trabalho em conjunto com a estudante de mestrado da Faculdade Maria Milza (Famam) Andrea dos Santos de Souza.
A pesquisadora explica que o objetivo inicial era chegar a uma farinha padronizada de qualidade, com a utilização de genótipos de plátanos, e agora o intuito é mostrar o seu uso no enriquecimento de produtos. “Mostramos que é viável usar esse ingrediente para a produção de pão, pois não há perda de qualidade sensorial. Agora iniciamos um estudo para o desenvolvimento de biscoito, que também vem apresentado alto teor de amido resistente. Conseguimos fazer um biscoito com 75% de farinha de banana. É sem glúten, feito com fécula de mandioca. E, novamente, conseguimos incorporar quatro vezes mais amido resistente. Enquanto nos alimentos sem a farinha de banana havia 3% de amido resistente, naqueles com 75% de banana-verde, obtivemos 12% de amido resistente. A cada 100 gramas de biscoito, 12g são de amido resistente. Um valor muito significativo, e o sabor ficou muito bom. O ponto-chave é que a gente está usando a farinha de plátano, que ninguém usa”, complementa.
Pelo projeto, serão desenvolvidas ainda massas de pizza e de bolo com a farinha de banana-verde. Todos em parceria com bolsistas da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), Universidade Federal da Bahia (Ufba), Universidade Estadual da Bahia (Uesb) e Faculdade Maria Milza (Famam), que dedicam seus projetos a essa pesquisa.
Foto: Eliseth Viana
Alessandra Vale (MTb RJ 21.215/RJ)
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